domingo, 20 de janeiro de 2013

Sampa


De todos os lugares que tinha para escolher, nessa cidade que tudo tem, escolhi morar aqui, na boca do lixo, às margens da São João.

Aqui, o dia já amanhece com cheiro de merda e pessoas são confundidas com lixo. Mendigos que se cansaram e adormeceram no meio de sua busca por um bilhete premiado da loteria, ou por um simples pedaço de pão.

Em frente à Igreja, deuses são vistos dormindo na merda e comendo comida no chão, enquanto se disfarçam de indigentes à espera que algum mortal lhes dê alguma dignidade, ou um real para a pinga nossa de cada dia.

Algumas semibeatas, vestidas de minissaia e plataforma, gastam um real na banca de flores e entram na igreja. Ofertam a rosa a Santo Antônio e rezam para que algum semirrico olhe para aquelas pernas de pelos semidescoloridos e grossos de tanta gilete, e sinta qualquer coisa além de, melhor deixar pra lá.

No meio da rua, não se sabe o que é o quê. Gente, cachorro, comida, lixo. Todos lutam por um espaço debaixo de uma marquise qualquer e rogam por mais uma noite, pra que não morram de inanição, ou queimado, tido por índio.

E quando, de repente, cai a chuva, sorrateira e barulhenta, sem nem ter dado sinal, alguns se aproveitam para o banho que há tempos não se toma. Uma penicilina, por favor - ou outra pedra, pra aliviar a dor.

De longe, se escuta o choro do bebê, abafado pelos peitos molhados e fartos da mãe, que o acolhe implorando perdão por qualquer pecado cruel que tenha cometido, nessa ou em outra vida, que a faça merecedora de um castigo como aquele. Dividir a rua com a merda. Dividir o peito com o filho.

Um pouco mais acima, ruas tomadas por zumbis. É possível sentir o cheiro podre de suas vidas esquecidas e miseráveis. Perambulam como se estivessem em alguma outra dimensão que não faz sentido algum.
E no meio do lixo, a rua. Várias ruas. Vários prédios.

A arquitetura é o que há de mais belo aqui, quando se tem coragem de erguer os olhos e olhar para o alto. Toda aquela arquitetura elegante e imponente, devidamente afundada em merda. 

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